sexta-feira, 15 de janeiro de 2016

A família “colcha de retalhos”

Carlos “Catito” e Dagmar Grzybowski

As relações na sociedade pós-moderna já foram classificadas por Bauman1 como relacionamentos líquidos. Na busca contínua pelo prazer evitando qualquer desconforto, as pessoas fogem das tensões rompendo relacionamentos e buscando novas experiências na ilusão de que algum dia encontrarão a “alma gêmea”.

Entretanto, em muitos relacionamentos rompidos existem os frutos da convivência, sejam de anos ou meses, os filhos. Assim, os novos relacionamentos estruturam-se não mais entre duas pessoas, mas trazem também os frutos de relacionamentos anteriores.

Essas novas famílias constituídas precisam manejar com elementos adicionais distintos de uma família que se estrutura a partir de duas pessoas sem relacionamentos anteriores.

Um dos primeiros elementos importantes com o qual essa nova família terá de lidar é a queima de uma fase importante para a estruturação do relacionamento: a etapa do casal sem filhos.2 Nela, o casal precisa estabelecer uma série de acordos para a convivência. É a etapa em que o convívio diário ressaltará as diferenças familiares, sociais e culturais existentes entre o casal.

Se o novo casal tiver filhos de relacionamentos anteriores, é natural que tenha de ocupar-se com o cuidado e a educação deles. Sendo assim, os cônjuges deixarão de lado as diferenças entre si, as quais poderão ressurgir com intensidade anos mais tarde.

Outro elemento que precisa ser levado em conta é que a maioria dos filhos “não” deseja que os pais se separem.3 Em nossa experiência de mais de 32 anos de consultório, tenho ouvido inúmeras vezes de filhos de pais separados que sonharam que os pais estavam juntos novamente depois de anos da separação. Sonhos são reflexo de desejos inconscientes permanentes. Esse desejo de muitos resulta em um processo de boicote ao ajuste ao novo casamento dos pais.

Em contrapartida, temos uma força midiática com um discurso enganoso, segundo o qual, para os filhos, a adaptação a este novo modelo familiar é fácil e rápida. Porém, pesquisadores como Wallerstein, Lewis e Blakeslee afirmam que as crianças em famílias de pós-divórcio, de forma geral, são mais agressivas com seus pais e professores, sofrem mais de depressão, têm mais dificuldade de aprendizagem e apresentam mais problemas com colegas.

Por fim, famílias reconstituídas (após um divórcio) têm, em geral, mais dificuldade em lidar com os papéis parentais e, não poucas vezes, escutam de um filho agregado a frase: “Não se mete, você não é meu pai/minha mãe!”. Essa declaração causa dor profunda em quem a escuta, em especial quando o ouvinte é uma pessoa empenhada em ajudar o filho de seu novo cônjuge.

Com tantas complicações é difícil entender como defensores do divórcio podem ir à mídia e fazer afirmações em prol das “liberdades individuais”, sem avaliar a saúde emocional de todos os sujeitos que compõem esse núcleo. São tantos os fatores que apontam para as dificuldades das famílias “colcha de retalhos” que se torna mais compreensível a expressão de Malaquias 2.16: “Deus odeia o divórcio!”.

Notas
1. BAUMAN, Zygmunt. Amor líquido; sobre a fragilidade dos laços humanos. Trad. Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Zahar, 2004.
2. CARTER, Betty; MCGOLDRICK, Monica. As mudanças no ciclo de vida familiarPorto Alegre: Artes Médicas, 1994.
3. WALLERSTEIN, Judith; LEWIS, J.; BLAKESLEE, S. Filhos do divórcio. São Paulo: Edições Loyola, 2002.

• Carlos “Catito” e Dagmar são casados, ambos psicólogos e terapeutas de casais e de família. São autores de Pais Santos, Filhos Nem Tanto.

Fonte: Ultimato. Setembro-Outubro/2015

Nenhum comentário: